11/01/2014 - LUIZ SALGADO

Caboclo chegando do cerrado, e ninguém melhor que Consuelo de Paula pra apresentar pra gente quem ele é:

luiz salgado é pássaro do cerrado

seu canto é vôo rasante

luz e sal

sina de cantador é música brasileira

de branca pureza, de negra força

iluminada de luiz

essencial

tem cheiro de barro e de pó

pé fincado no chão

bico apontado pro céu

música cabocla e universal

tem gosto de fruta

balanço mineiro

folia e gozo da alma

Consuelo de Paula - cantora e compositora


Sobre o seu cd 'sina de cantadô'

Por Ismael de Freitas (jornalista)

O sertanejo, por questão de sobrevivência, é um predestinado a conhecer as nuanças da natureza, seus tempos, estações, manhas e surpresas. Trata-se de um sujeito que reconhece as mudanças e as sente na própria pele, digamos assim, porque acompanha os ritmos dos bichos, das plantas, das águas. Não é a toa que sua arte esteja impregnada desse tema, em alguns momentos exaltando, noutros defendendo, ora alertando, por vezes reclamando.

É, ainda, o mesmo ator que usa os símbolos evocados pelos animais para falar sobre si mesmo e aos outros, comunicar (algumas) verdades, interferir no cotidiano e valorizar suas práticas ou tentar modificá-las. Para isso, o 'sertanejo', também se serve de parábolas tradicionais, que falam ‘à alma’ de seus iguais, numa linguagem que se aproxima do cotidiano, sem se importar muito com regras gramaticais ou ortografia, o que resulta na completa identificação com seu público e também suscita a nostalgia do homem urbano, descendente da roça, do campo.

Não é de hoje que os problemas causados pela degradação ambiental estão presentes nas falas, dizeres, poemas, parábolas, histórias e principalmente nas canções sertanejas, mas o tema se mostra com força em trabalhos de “caipiras contemporâneos”, como é o caso de Luiz Salgado, especialmente na música “Carcará, guardião do Cerrado”, do disco “Sina de Cantadô”, lançado em 2008.

O Carcará, ave presente em praticamente todo o sertão do País, já foi retratado como malvado, valentão, corajoso e cruel por conta de suas preferências alimentares (que incluem filhotes de ovelhas) como na canção “Carcará”, de João do Vale (1933 - 1996): O sertão não tem mais roça queimada / Carcará mesmo assim num passa fome / Os burrego que nasce na baixada / Carcará / Pega, mata e come.

Já na música de Luiz Salgado, a ave aparece como protetora do cerrado, um imperador que chora ao ver seu “império” destruído pelo “bicho home”. Também é contrastado com o tamanduá que corre na mata em chamas e que é instado a proteger seus filhotes.

Os arquétipos sublimam características facilmente aplicáveis aos seres humanos, numa mensagem clara em favor da preservação e em um momento, pelo menos, remete logo às emoções humanas, já que Carcará não chora. O mesmo apelo aparece em trabalhos de outros artistas, como Renato Teixeira, em “Guardiões das Florestas”: Onde homem e natureza / Se juntam na decisão / De sempre honrar nossa gente / E respeitar nosso chão.
Em Luiz Salgado, o Carcará tem como sina voar. Por isso é o guardião do cerrado.
Ele “vive lá no ar”, está no alto, é forte e deve ser um modelo para o tamanduá, que está preso
à terra, tem que cuidar dos filhotes e, portanto, está mais vulnerável à ação do homem.
A ave pode ser Deus, pois vigia, é dona da verdade, toma conta do que é seu (o cerrado, seu
império). Deus também aparece, mas quase como um coadjuvante, pois é responsável pela
sorte do tamanduá. No entanto, parece que a intenção do artista é guardar as características
do Carcará como uma missão para o interlocutor, que agora é responsável pela preservação
do cerrado, já que é apontado como malfeitor, pois sua espécie, “o bicho home”, é que
representa o perigo.

O tamanduá é referência ao que deve ser protegido. Ele tem que correr, senão “a extinção (te)  alcança”; os filhotes podem representar o futuro, mas ele vai ter que ser forte como o Carcará para não morrer nem deixar perecer a prole. Qualquer semelhança com o discurso ecológico atual não pode ser mera coincidência.

É comum o folclore utilizar as figuras da natureza e esses símbolos têm um poder comunicacional sintético que fala de vários modos brincando com os sentidos, em parábolas, se escondendo para poder ser percebido mais nitidamente. O ‘cantadô’ tenta colocar suas idéias usando um artifício... falando de figuras folclóricas como o ‘carcará’ e toda sua carga simbólica para alertar sobre o perigo que ‘o bicho home’ representa, através de outro veículo do folclore, a música caipira, com sons do campo e linguagem que privilegia os termos da roça.
É o 'líder de opinião' que se mistura, se identifica com seu público, é parte do processo, não está fora dele, fala entre iguais, sente as mesmas coisas, chora, protege, luta contra a extinção, está no alto e também corre para salvar os filhotes.
Ele também está mais integrado com o mundo, consegue transformar em poesia a vivência de seu povo, conhece melhor o que está ‘fora’ de sua aldeia e sintetiza os temas ‘de massa’, decodificando-os com a intenção de mostrar a quem é atingido pela sua mensagem que existem saberes complexos dominados por seu grupo e legitimando tais conhecimentos. Ou seja, existe voz possível no grupo marginalizado pelos processos comunicacionais de massa e há como alcançar objetivos, digamos, globais, a partir do que é local, agindo pontualmente.

Ouvir a “Sina de cantadoô, do mineiro Luiz Salgado, é um convite à reflexão sobre as ações humanas diante do meio ambiente no Brasil do Século XXI.
O CD foi lançado pela Bequadro Produções, com apoio do Programa Municipal de Cultura, da Secretaria de Cultura da Prefeitura de Uberlândia (MG).
Disco: “Sina de cantadô”. Música, letra e interpretação: Luiz Salgado. Ano: 2008.

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